Portugal tem sido o destino escolhido por muitos que buscam não apenas segurança, mas uma vida que proporcione uma conexão mais profunda com o conceito de viver bem. A vida em solo português oferece mais do que a ausência de violência; ela redefine o cotidiano, a relação com o espaço público e o modo como as pessoas interagem com seu ambiente e com os outros. Para brasileiros, que muitas vezes crescem em um cenário onde a insegurança dita escolhas e limita a liberdade, essa experiência de segurança pública e simplicidade pode ser profundamente transformadora.
Essa conexão das pessoas com a cidade é tema do livro A Morte e a Vida das Grandes Cidades Americanas (1961), da jornalista e urbanista Jane Jacobs, e é justamente o que explica o porque brasileiros chegam em Portugal e não querem mais voltar.
Esta obra é amplamente considerada revolucionária por ter mudado a forma como pensamos a vida urbana, destacando a importância dos espaços públicos como locais de convivência e segurança.
Principais Pontos da Obra
A Cidade como um Organismo Vivo: Jane Jacobs observa a cidade como um ecossistema que depende das interações sociais cotidianas. Ela argumenta que para uma cidade ser vibrante e acolhedora, ela precisa incentivar a presença das pessoas nas ruas, praças e parques. A convivência pública, segundo Jacobs, é o que dá "vida" à cidade, tornando-a atraente e funcional.
Segurança e “Olhos nas Ruas”: Um conceito central do livro é o de "olhos nas ruas", que sugere que a segurança urbana está diretamente ligada à presença de pessoas nos espaços públicos. Quando as ruas são movimentadas e as pessoas estão constantemente observando o ambiente, a cidade se torna mais segura. A vigilância natural promovida pela convivência humana nas ruas reduz a criminalidade e aumenta a sensação de segurança.
A Diversidade de Funções: Jacobs argumenta que uma cidade segura e agradável para as pessoas é aquela que combina diferentes usos — como moradia, comércio, lazer e trabalho — em um mesmo espaço. Essa diversidade de funções mantém a cidade viva e movimentada ao longo do dia e da noite, o que reforça a segurança e o interesse das pessoas em ocupar os espaços urbanos.
Espaços Públicos e Acessibilidade: Ela também defende o design de espaços públicos que sejam acessíveis e convidativos, onde as pessoas possam se sentir confortáveis em conviver e interagir. Calçadas largas, áreas arborizadas e pontos de encontro acessíveis tornam a cidade mais acolhedora e reforçam a integração social.
Os tecidos urbanos.
O tecido urbano em Portugal, especialmente nas áreas históricas, desenvolveu-se de maneira orgânica, ou seja, ele não seguiu um planejamento urbano rígido e pré-determinado. Essa característica — o crescimento espontâneo ao longo dos séculos — acabou criando cidades multifuncionais, com moradias, comércios, escritórios, e espaços públicos próximos uns dos outros, o que resulta em uma vida urbana vibrante e interconectada.
Nas cidades portuguesas, a mistura de usos se traduz em ruas com uma variedade de funções, onde residências, cafés, mercearias e pequenos escritórios dividem o mesmo espaço. Esse cenário favorece a criação de bairros onde as pessoas têm fácil acesso a produtos e serviços do dia a dia, além de facilitar a interação social e a presença constante de pessoas nas ruas, o que gera um sentimento de segurança e pertencimento para quem procurar morar em Portugal.
Diferente dos centros urbanos planejados e segmentados das grandes cidades modernas, onde as funções urbanas são separadas (zonas comerciais, residenciais, industriais), o tecido urbano português favorece uma integração natural das atividades diárias. Essa estrutura oferece uma qualidade de vida distinta, com menor dependência de automóveis e mais oportunidades para o convívio, similar ao que Jane Jacobs defende. Para Jacobs, cidades multifuncionais e de uso misto, como as portuguesas, são mais seguras, atraentes e humanas porque promovem a diversidade, a proximidade e a vigilância social espontânea.
Contexto de Segurança
A segurança em Portugal é um dos fatores que contribui para uma liberdade que poucos brasileiros experimentam de forma plena ao morar em Portugal. No Global Peace Index de 2023, o país está entre os mais seguros do mundo, com uma taxa de homicídios inferior a 1 por 100 mil habitantes, enquanto no Brasil esse número é cerca de 27 por 100 mil. Essa diferença possibilita uma vivência sem a constante preocupação com a violência, permitindo que as pessoas usufruam dos espaços públicos e vivam de forma mais espontânea. Essa liberdade é fundamental para o desenvolvimento de relações sociais saudáveis e para a formação de uma vida comunitária verdadeira.
Segurança e a Vida nos espaços públicos.
Em Portugal, se olharmos com atenção, a vida vai se moldando sobre a expressão direta da segurança e da valorização do espaço público. Praças, mercados, parques e cafés estão recheados de moradores e turistas há qualquer hora do dia, sem qualquer preocupação que não seja estar vivendo aquele momento. Há jovens universitários nas ruas, escoteiros infantis são vistos circulando com frequência, idosos nas praças e nos cafés e escolas organizam passeios em praças e parques que o único detalhe de segurança é um chapéu em cada cabecinha para proteger do sol.
Para os brasileiros, essa diferença é impactante. No Brasil, a insegurança leva à reclusão e ao uso de espaços artificiais, como condomínios que simulam ambientes seguros e bairros criados para serem cercados por muros e portões. Os centros das grandes cidades brasileiras geralmente são espaços degradantes onde a insegurança e usuários de drogas retiram famílias, turistas e moradores do convívio do espaço urbano. Atividades simples como estas citadas acima, como crianças da escola caminhando até a praça próxima, é algo muitas vezes inimaginável.
O Impacto da Segurança na Essência da Vida
A segurança permite que as pessoas vivam de forma plena e autêntica, libertando-as da necessidade de estarem sempre em alerta ou cercadas de proteções artificiais. A liberdade para passear, interagir e aproveitar o espaço público sem medo de violência gera uma experiência de vida que se aproxima dos conceitos de Jacobs sobre as cidades para pessoas. Quando as cidades priorizam o bem-estar dos indivíduos e promovem a convivência, elas criam um espaço onde as pessoas podem verdadeiramente "viver".
Em um ambiente seguro, como Portugal, as interações sociais são facilitadas, e a confiança mútua fortalece os laços comunitários. Crianças brincam livremente nos parques, idosos se encontram nas praças, e os cafés se tornam pontos de encontro para amigos e famílias. Em um país onde a segurança é uma realidade, há espaço para redescobrir os prazeres da vida simples e da interação humana genuína — um contraste direto com os enclaves isolados e focados no consumo que se veem em países menos seguros.
Mas não foi sempre assim...
Não é incomum ouvir dos brasileiros no exterior, até com certa nostalgia, que Portugal lembra o Brasil de anos atrás ou que um determinada cidade parece o uma cidade do interior do Brasil.
Até algumas décadas atrás, o Brasil, especialmente em cidades de menor porte, oferecia um ambiente seguro e comunitário. Nas décadas de 1950, 1960 e 1970 era comum as crianças brincarem livremente nas ruas, e os bairros tinham uma forte cultura de vizinhança. No entanto, nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil passou por um rápido processo de urbanização e enfrentou desafios econômicos e sociais, o que contribuiu para o aumento das taxas de criminalidade. Esse crescimento da violência levou muitos brasileiros a cercarem suas casas e procurar nos condomínios fechados a esperança de uma vida mais protegida, restringindo as interações urbanas, especialmente nas grandes cidades.
Essa busca por segurança se intensificou com o crescimento das áreas urbanas sem planejamento adequado e o aumento das desigualdades. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a taxa de homicídios cresceu drasticamente a partir dos anos 1990, alcançando picos de mais de 30 homicídios por 100 mil habitantes em algumas regiões brasileiras na década de 2010. Isso contribuiu para uma mudança cultural, em que muitas famílias começaram a valorizar uma vida em áreas privadas e isoladas, com menos interação nos espaços públicos.
Portugal: Revitalização Urbana e Redução de Criminalidade
Por outro lado, Portugal também passou por transformações significativas no contexto de segurança urbana. Até a década de 1980, cidades como Porto eram consideradas menos seguras, com áreas degradadas e pouco movimento após o anoitecer. Nas décadas seguintes, Portugal investiu em revitalizações urbanas e políticas de segurança que mudaram completamente o ambiente urbano em cidades como Lisboa e Porto. Hoje, áreas que antes eram vistas como escuras e desertas se tornaram espaços vibrantes e repletos de atividades culturais e sociais.
Nos últimos anos, o desenvolvimento econômico e a ascensão do turismo revitalizaram e transformaram profundamente as cidades em Portugal, que passou a transformar áreas desvalorizadas e de degradadas a ponto de ser um dos principais destinos urbanos da Europa. Esse crescimento do turismo trouxe investimentos significativos em infraestrutura, além de impulsionar o setor de serviços, promovendo a criação de novos espaços públicos e aumentando a segurança e a qualidade de vida em áreas centrais da cidade.
Conclusão
O objetivo deste artigo é apontar o principal motivo que faz a comunidade brasileira povoar todos os cantos de Portugal. A ausência de grades nas casas, a cultura de estar "sempre atento" para não estar assaltado, a liberdade de deixar os filhos na escola ( e muitas vezes alguns vão caminhando sozinhos ), os programas na cidade e em ambientes abertos, traz a liberdade de estar no mundo de forma autêntica, a possibilidade de usufruir da comunidade, e a chance de levar a vida de maneira aberta, sem as barreiras físicas e emocionais que a insegurança nos impõe.
Brasileiros narram que Portugal trouxe uma compreensão profunda e quase que natural da simplicidade e da sensação de segurança que não era percebido no Brasil. Às vezes, basta uma praça ou um parque seguro para sentir que a vida pode ser genuína e vivida sem as camadas de proteção que nos afastam dos outros e de nós mesmos. Portugal é um país que acolhe essa simplicidade com naturalidade, e isso é um presente para todos que escolhem chamá-lo de lar.
Portugal dá a comunidade brasileira a tranquilidade e a liberdade de sentir que de fato é possível viver uma vida simples e profunda ao mesmo tempo, e que, por isso, é a vida que muitos sonham.
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